quinta-feira, 8 de março de 2018

Marisqueiras

Por Gabrielle Souza 



Ilustração: Joana Ho



   Na construção histórica social, as profissões sempre foram divididas entre os sexos feminino e masculino, ou seja, determinadas atividades eram vistas como apropriadas para homens, enquanto outras que não exigiam muito esforço físico, geralmente na área do cuidado (dona de casa, professora, enfermeira, etc) para mulheres. Assim muitas de nós sempre fomos desencorajadas a realizar determinadas funções, pois reza a lenda que somos biologicamente “mais frágeis e menos inteligentes”.

    A partir daí já dá para ver que toda essa questão não passa de uma desculpa do patriarcado né?!

     Mas você deve estar se perguntando aonde eu quero chegar com isso. Bom, o que eu quero dizer é que, a cada dia que passa, estas relações de profissões direcionadas para determinados indivíduos estão caindo por terra e que, nós mulheres, estamos mostrando que podemos estar sim, em funções e cargos reconhecidos como “masculinizados”.

   Um grande exemplo disso são as mulheres marisqueiras. Elas estão espalhadas por todo o litoral do Brasil e realizam uma atividade chamada de mariscagem. A mariscagem consiste no processo de captura contínua de mariscos de forma artesanal, seja em regime de economia familiar ou autônoma, para seu próprio sustento ou comercialização. 

    Os mariscos retirados nessa atividade geralmente são capturados em bancos de lama ou areia, que localizam-se nos mangues ou próximo a eles. A captura se dá de diversas formas, porém a mais comum é a catação manual, onde as mulheres raspam a areia com o auxílio de uma colher até encontrar o marisco.



   Esta atividade inicialmente era realizada por homens, pescadores, que diante da sociedade seriam os mais aptos para o processo, pois são fortes e aguentam idas aos mares e mangues para obter o sustento da família. Enquanto o tratamento da captura sempre foi feito pelas mulheres, ou seja, são elas que limpam os peixes e mariscos que seus maridos, irmãos, tios, pais trazem do mar. 


     Mais recentemente, as mulheres começaram a assumir também o papel de extração dos mariscos. Porém, esta atividade é simplesmente invisível, apesar de extremamente importante, social e economicamente falando. A partir disso, só podemos concluir que, pelo simples fato de serem mulheres, não existe reconhecimento de seus direitos diante da profissão que exercem, seja por seus companheiros e familiares, como também pelo Estado, por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que garante a aposentadoria e outro direitos. A falta destes direitos trabalhistas faz com que estas mulheres trabalhem em condições inadequadas, em geral com carga horária exacerbada da jornada de trabalho.

     Existem estudos que realizam um perfil social dessas mulheres, criando um panorama de aspectos socioeconômicos e de como elas se sentem sobre as situações que enfrentam. Um desses trabalhos foi realizado na Comunidade de Barra Grande, município de Cajueiro da Praia - Piauí, com uma faixa de 4 km de praia, que por decreto federal é uma Unidade Conservação, e está na categoria de uso sustentável. A grande parte das marisqueiras está na faixa etária entre 30 e 60 anos, sendo a média de idade de 42 anos. A falta de escolaridade é alta, as mulheres que cursaram o ensino fundamental incompleto correspondem a 34,92%, e quando somadas as não escolarizadas (17,46%) elevam ainda mais o percentual. A situação conjugal é predominantemente de mulheres casadas (44,44%), seguidas das que moram junto (28,57%), e a média de filhos é de quatro,havendo uma variação de zero a doze filhos. 


    Muitas dessas mulheres realizam outras atividades para auxiliar na renda mensal da família, como por exemplo: lavadeiras, rendistas, cozinheiras etc. Além de contarem suas histórias de vida, opinam sobre os problemas que enfrentam. Estes estão relacionados principalmente às condições de trabalho, e às questões burocráticas, solicitando a criação de um associação própria de mulheres marisqueiras, pois elas se sentem excluídas das colônias de pescadores que já existem no território.

   Além disso, as marisqueiras travam uma luta diária contra o machismo. Mas quem disse que elas desistem?! Um exemplo prático dessa luta, além da persistência em trabalhar mesmo diante de tantas dificuldades, é o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 47/2017. Este projeto define a profissão de marisqueira e suas competências além das responsabilidade que o poder público tem nas ações desenvolvidas pelas trabalhadoras, assegurando seus direitos e deveres. 

    As mulheres vêm conquistando o seu lugar na sociedade e dentro das organizações de trabalho, lugar que é seu por direito. Mas ainda reconhecemos que há muito a ser feito para que conquistemos uma forma igualitária de tratamento entre homens e mulheres. Valorizar o trabalho das mulheres marisqueiras é também valorizar a preservação da natureza, é reconhecer de forma justa um trabalho que é realizado com carinho, amor e dedicação.



Vídeos recomendados:
https://vimeo.com/96543725

https://projetosereias.com/videos/


Para saber mais:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/07/31/politica-de-apoio-a-atividade-de-mulheres-marisqueiras-sera-analisada-na-cdh




Referências Bibliográficas


FREITAS, Simone Tupinambá et al. Conhecimento tradicional das marisqueiras de Barra Grande, área de proteção ambiental do delta do Rio Parnaíba, Piauí, Brasil. Ambiente & Sociedade, [s.l.], v. 15, n. 2, p.91-112, ago. 2012. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1414-753x2012000200006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2012000200006>. Acesso em: 01 mar. 2018

 Diário do Nordeste. Marisqueiras reivindicam seus direitos. 2003. Disponível em: <http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/marisqueiras-reivindicam-seus-direitos-1.370455>. Acesso em: 01 mar. 2018.

Senado Notícias. Política de apoio à atividade de mulheres marisqueiras será analisada na CDH. 2017. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/07/31/politica-de-apoio-a-atividade-de-mulheres-marisqueiras-sera-analisada-na-cdh>. Acesso em: 01 mar. 2018.

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