quinta-feira, 14 de setembro de 2017

O que eu aprendi sobre saúde mental na pós-graduação

Por Carolina Maciel
Não é novidade existirem alunos reclamando sobre a pós-graduação. Os comentários são sempre os mesmos: “isso me deixa nervoso”, “não estou conseguindo fazer isso”, “não vou conseguir entregar a dissertação/tese no prazo”, além do clássico: “estou cansado(a)!”.
Depois de 4 anos exaustivos e uma média de 140 provas sobre diversos assuntos , como num passe de mágica eu finalmente repousaria no “paraíso da pós-graduação”, mesmo sem a advertência sobre as seis horas diárias de dedicação aos estudos para conseguir o tão sonhado lugar na universidade pública.
Os motivos para que alunos recém-formados procurem a pós-graduação são muitos: realização profissional, pessoal, pressão de terceiros, indecisão na carreira, oportunidade de renda, etc., e independente de qual seja o motivo, a maioria das pessoas procura fazer o seu melhor trabalho.
 Apresentando meu trabalho de mestrado na
conferência Latino-Americano SETAC.

A
ssim como eu, muitos sonham em se especializar na área que mais teve afinidade na graduação, vendo o mestrado (ou doutorado) como uma opção de aprofundar seu conhecimento. Até aí, nenhum problema em vista.

O problema começa na forma em que a pós-graduação é encarada pelos alunos, pesquisadores e universidades. A regra da pós-graduação é levar os alunos até o seu limite: sono atrasado para cumprir prazos apertados, relatórios, matérias de especialização, progresso na pesquisa, cobranças do orientador...
Cobranças, sono atrasado, estresse e vida social restrita: bons ingredientes, que misturados, dão uma boa porção de distúrbios psicológicos. Não foi diferente comigo. Eu sempre achava: “tenho que tomar cuidado, mas é LÓGICO que isso não vai acontecer porque estou no controle”.
Ilustração: Caia Colla
Num dia ensolarado, trocava a praia pelo computador para começar a analisar meus resultados, quando, de repente, um clarão invadiu meus olhos, esqueci completamente meu nome, os comandos do programa que utilizava de olho fechado, o que eu estava fazendo de frente para o computador... E então eu senti um vazio extremo, como se todo o esforço e conhecimento tivessem desaparecido. Me vi no fundo do poço.
Hoje sei que o que tive foi apenas uma das muitas crises de ansiedade causadas pela pós-graduação, o que me levaram a procurar ajuda psicológica externa. A pós-graduação tinha se tornado um peso para mim e que se eu continuasse a carregá-lo, iria entrar em depressão. Com essas palavras, eu resolvi parar.
A pós-graduação nunca me ensinou a parar, e sim a continuar exaustivamente até conseguir minha melhor performance na pesquisa. Mas o que não te ensinam é que o cansaço estraga tudo e pausas (como férias) são extremamente importantes para a produtividade e manutenção da saúde mental.
As pausas dentro da pós-graduação não são bem vistas. Já que a gente “só estuda”, por que tirar férias? Pois é, se consultar o site do CNPq (principal órgão brasileiro financiador de pesquisas), não existe férias para alunos de pós-graduação. A dedicação deve ser exclusiva.
Nesse processo de adoecimento pela pesquisa, passei por crises de choro, inseguranças sobre o que estava fazendo no laboratório, ilusão de perseguição pelos meus amigos de trabalho, sentimento de que não era boa o bastante e o mais extremo de todos: o sentimento de que se eu tirasse a própria vida, o sofrimento de me sentir inferior na pesquisa, pararia.
E essa não é uma realidade distante. Há alguns dias infelizmente perdemos um aluno de pós-graduação do Instituto Biociências da Universidade de São Paulo, vítima de distúrbios psicológicos relacionados à pós-graduação.
A universidade e a ciência no país são completamente ingratas. E desde o dia em que eu não via mais sentido em viver, ressignifiquei tudo na minha vida. O que incluiu a minha relação com a pós-graduação.
Reclamamos dos nossos orientadores, mas eles também são cobrados tanto quanto nós, criados nesse sistema onde o seu sobrenome e ano de publicação valem mais e são treinados dentro das universidades para explorar o potencial de cada aluno.
A universidade não está pronta para considerar a questão mental nos programas de pós-graduação. Não nos sentimos acolhidos, e sim num campo de batalha: “aos vencedores, os artigos científicos!”. Sustentar a própria pesquisa no ambiente hostil das universidades torna os alunos e pesquisadores exaustos, aumentando as chances de desenvolver distúrbios psicológicos sérios como a depressão.
A insegurança sobre o financiamento de nossas pesquisas no país é um fantasma que nos assombra e contribui para que nossa saúde mental seja afetada; afinal, hoje fazemos pesquisa, mas amanhã, não sabemos como nos manter financeiramente fazendo o que amamos no laboratório.
Então qual seria a solução? Garanto que pausas resolvem parte do problema. Se dedicar ao que gosta (por mais clichê que seja) também é importante. Eu por exemplo, comecei a meditar, virei vegetariana e estou começando a empreender em algo que gosto. Fazendo isso, treinei a minha mente para não sentir culpa de viver além da pós-graduação e passei a me ver também como “pessoa”, além de “pesquisadora”.
Fazer ciência é uma viagem prazerosa, mesmo que às vezes existam pontos de stress (stress saudável existe, sabia?). Se procurarmos no dicionário, “ciência” não é sinônimo de “sofrimento”. Desde que entendi isso, passei a relaxar, curtir a viagem sem pensar tanto no destino.

As férias da pós-graduação
(sim, elas existem!)
Dedicação exclusiva sem férias é a regra da pós-graduação no país, mas pela minha saúde mental, eu resolvi ser exceção. Os resultados só foram positivos: a minha produtividade aumentou, as minhas relações interpessoais melhoraram, me apaixonei novamente pela pesquisa e consegui reencontrar o motivo pelo qual comecei a pós-graduação.
Não é normal nenhum tipo de sofrimento causado pela pesquisa na pós-graduação. Nem pequeno, nem grande. Por isso, se já está na pós-graduação ou ainda pretende ingressar, vai meu conselho: cuide muito bem da sua saúde mental.

Sabemos o quão difícil foi o caminho até aqui e desistir do que se ama não deve ser uma opção. Sempre existe um jeito mais leve de se encarar a pesquisa. Que tal começar a experimentar?

Sobre Carolina Maciel:
Bióloga marinha pela Universidade Santa Cecília, atual aluna de mestrado do programa de pós-graduação em Oceanografia da USP. Ama o mar e seus mistérios. Educação é sua paixão e autoconhecimento é sua palavra.

7 comentários:

  1. ótimo texto! Passei por uma situação pior na pós-graduação, e aos poucos estou tomando gosto pela ciência novamente, como foi dito no texto!

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  2. Parabéns pela iniciativa do texto. Esse assunto ainda é tabu, não se discute isso nas universidades mas a maior parte dos trancamentos são por distúrbios mentais. Minha qualificação acabou com alguns meses da minha vida... Depois disso prometi pra mim mesma que nunca mais iria me submeter a tamanho nível de stress e cobrança. Sigo tentando me livrar da culpa de tirar um tempo "além da pós-graduação" como você disse. Mas esse tempo é extremamente necessário!

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  3. Muito obrigada por ter tido a coragem de compartilhar esse depoimento com a gente... Se mais pessoas agissem como você, expondo os seus problemas, talvez conseguíssemos mudar algo no sistema de pós-graduação no Brasil. Conheço ótimos pesquisadores que após "traumas" na pós-graduação nunca mais quiseram saber de ciência... E quem sai perdendo é o Brasil. Por sorte, meu mestrado e meu doutorado foram bem tranquilos... mas eu não levava trabalha pra casa (salvas exceções) e sempre tive um período de férias (aproveitava a férias do marido e descansava também)... Percebia que fazia muito bem pra mim, pra minha mente, e trabalhava ainda melhor!
    Que teu texto inspire mais e mais pessoas a ter teu tempo, a descansar e a pararem de se cobrar tanto!
    Novamente obrigada
    Jana

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  4. Parabéns pela coragem Carol! Fiquei muito emocionada com seu texto. Espero que ajude outras pessoas que passam pelo mesmo problema e que esse assunto comece a ser tratado com a devida importância pelas universidades.
    Desejo muito sucesso em todas as áreas da sua vida!

    Claudia

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  5. Parabéns Carol pelo depoimento chorei do começo ao fim, estou fazendo minha primeira graduação mais quando eu li sua historia foi como se fosse pra mim, estou passando por tudo isso não está sendo fácil, não tem um dia que eu não penso em desistir, e então resolvi ir devagar no meu tempo, com férias não só uma vez por ano mais uma ou duas vezes por semana, vai demora um pouco pra mim forma mais não tem problema eu terminando com minha saúde mental saudável é o que importa. Obrigada foi enriquecedor sua história acho que to indo no caminho certo.
    Sucesso pra você!

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