quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Para onde foi a água do mar?

Por Gustavo Prouvot Ortiz




(adaptação da foto de Léo Saballa Jr/RBS TV)

   Recentemente foi muito comentado na imprensa e redes sociais o acentuado recuo do mar observado nos estados do Sul e Sudeste, nos dias 12 e 13 de agosto. Muitas dúvidas surgiram a respeito:

Qual será o motivo desse fenômeno? 
Será que é um tsunami? 
Já aconteceu outras vezes?


Para entender: o nível do mar é influenciado basicamente por:  

Nível Eustático + Maré Astronômica + Efeitos Meteorológicos      

  1. Nível Eustático: nível regional, associado a longos ciclos climáticos maiores que 1.000 anos     
  2. Maré Astronômica: forçada pela dinâmica gravitacional da Terra e outros corpos celestes (Sol, Lua...) - ciclos entre 12h e 24h (saiba mais aqui)     
  3. Efeitos Meteorológicos: também chamados de "maré meteorológica", são efeitos forçados por incidência de vento local ou instabilidades na atmosfera - duram até poucos dias  

Explicação 

   O recente caso chamou a atenção pelo baixíssimo nível do mar, que resultou no recuo da linha d'água de mais de 50m em alguns locais mais planos. 

   Dentre as três opções anteriores, podemos, é claro, descartar a (1) pela escala temporal. A opção (2) também pode ser descartada como principal forçante, pois nos dias 12 e 13 a Lua estava indo para a fase minguante, que está relacionada às marés de quadratura (baixa amplitude). 

   Sobra, então, a opção (3) Efeitos Meteorológicos. Mas como eles poderiam gerar tal fenômeno? Vejamos: 

   O escaterômetro é um sensor a bordo de satélites capaz de medir a velocidade e direção do vento na superfície do oceano. Na manhã do dia 12 o sensor a bordo do MetOp-A registrou fortes ventos vindos de NE ao largo dos estados do Sul e Sudeste. Este padrão de ventos já vinha sendo observado há alguns dias na região.








Esta configuração de vento paralelo à costa gera o processo oceanográfico chamado de transporte de Ekman:
  Através de um complexo equilíbrio de forças, há um deslocamento da superfície do mar à esquerda da direção do vento

Foi este então o fenômeno observado. Matamos a charada!




Respostas ao restante das perguntas iniciais:  

Será que é um tsunami? 
Não é um tsunami! Vimos que foi um efeito meteorológico o causador deste baixo nível do mar anômalo.   
Já aconteceu outras vezes?  
Felizmente há uma série histórica de dados globais de escaterômetros desde 1999, o que permite realizar análise dos períodos em que o campo de vento apresentou características semelhantes nesta região. Alguém habilita-se a colaborar em um estudo?  
Outra forma de encontrar períodos anômalos do nível do mar é analisando os dados de marégrafo. Os registros em Ubatuba-SP indicam sim que houve ao menos outros 04 período anômalos desde 2014:


É interessante notar que no dia 05-out-2014 o nível esteve até mais baixo que o do recente fenômeno. 

Estes registros indicam que é um fenômeno anômalo, mas ocorreu entre os meses de junho e outubro. Será que há alguma regularidade? Uma análise temporal mais longa pode elucidar isto.
Há algo em comum nos processos atmosféricos destes dois períodos?  
Sim! O campo de vento medido pelo escaterômetro registrou fortes ventos de NE e havia a mesma configuração sinóptica, como podemos ver nas cartas geradas pelo CPTEC:



Em ambos os períodos havia um dipolo (Alta e Baixa pressão) com características estacionárias atuando na região. Será que esta configuração somente ocorreu entre os meses de junho e outubro, no mesmo período da anomalia de maré baixa? 

Para saber mais: https://www.youtube.com/watch?v=lnaEmcLE0nA

Sobre Gustavo Prouvot Ortiz

Sou oceanógrafo com experiência em sensoriamento remoto, geologia marinha, Lei do Mar e geopolítica. Vejo o oceanógrafo (bem formado) como um "naturalista moderno", capaz de observar e descrever processos com abordagem multidisciplinar e desempenhar papel relevante em diversos setores da sociedade. Tenho paixão pela divulgação científica e, como pai, creio que somos responsáveis por desenvolver o senso crítico nos pequenos e fazê-los perceber seu papel em nosso complexo planeta.


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