terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Por que alga não é planta, por que planta não é alga?

Por Gabrielle Souza


Quando estamos na praia e vemos uma alga, logo associamos este organismo às plantas terrestres, visto que existem evidências científicas que sugerem fortemente que as plantas evoluíram das algas verdes no período paleozóico. Porém algumas de suas características são bem diferentes. As algas, assim como as plantas terrestres, são organismos eucariontes (ou seja, a célula possui núcleo e este possui uma membrana e várias organelas) e autótrofos (produzem o próprio alimento) fotossintetizantes. A palavra alga vem do latim e significa “planta marinha”, mas se ligue: nem toda alga vive na água. Elas podem viver em ambientes terrestres associadas à fungos, em uma relação mutuamente benéfica chamada simbiose, formando os chamados liquens. Uma coisa é importante ter em mente, enquanto as plantas pertencem a um único Reino, o Plantae, o termo “alga” engloba distintos grupos taxonômicos, como por exemplo, os Reinos Stramenopila (algas marrons e diatomáceas), Rodophyta (algas vermelhas) e Chlorophyta (algas verdes) (Nybakken & Bertness, 2005). Assim, devido a complexidade e constantes mudanças taxonômicas destes organismos, não entraremos em detalhes nas formas de classificação desse grupo polifilético (que não possui um ancestral comum) chamado “alga” e sim focaremos em suas características gerais.

Líquen sobre uma rocha de granito da Serra do Mar, Joinville, Santa Catarina.

As algas possuem diversas formas de organização. Podem ser encontradas nas formas unicelulares como por exemplo as algas verdes e os dinoflagelados e pluricelulares que se organizam de forma filamentosa. Podem formar colônias que são unidas fisicamente e sua organização pode ser definida entre colônias amorfas que não possuem número definido de células, ou as que apresentam organização complexa em número de células e formas definidas. Podem ainda assumir formas planctônicas ou bentônicas (saiba mais sobre essas formas neste link) e cenocíticas onde o talo não está dividido em células e possui uma forma tubular. Dentre essas diversas formas, é comum escutarmos os termos microalgas, quando são algas microscópicas, e macroalgas, quando são visíveis a olho nu.
E são, comumente, as macroalgas que são confundidas com plantas. Uma das principais características que diferenciam as macroalgas das plantas é a sua estrutura. Visivelmente elas são parecidas, mas as macroalgas não possuem órgãos e tecidos especializados e não são vascularizadas, bem como não possuem capacidade de formar uma estrutura com flor, folhas, raiz e caule. No caso das algas multicelulares sua estrutura diferenciada é um talo utilizado para sustentação dos seus filamentos.
 
A) Alga pluricelular; B) Alga unicelular (dinoflagelado); C) Alga pluricelular; D) Alga unicelular

Outra diferenciação está na estrutura celular. As algas verdes unicelulares, por exemplo, estão classificadas no reino protista. Os flagelos, que são estruturas utilizadas para facilitação da movimentação, presente em alguns protistas como dinoflagelados, não se encontram nas plantas.
Agora, existem plantas embaixo d’água? Todas as que estão nos aquários, são algas? Um exemplo de planta aquática é a Elódea, que é muito utilizada para ornamentar aquários e ambientes aquáticos artificiais. Esta planta é do grupo das Angiospermas e pertencente ao Reino Plantae. Este reino abrange organismos fotossintetizantes vasculares e avasculares, ou seja, com presença ou não dos vasos que são responsáveis pela condução de sais minerais e água, e ausência ou não das partes reprodutivas; no caso das Angiospermas essas partes reprodutivas geram flores, folhas e frutos. A Elódea tem características evolutivas que permitiram a sua adaptação ao ambiente aquático. Segundo Scremin-Dias (1999) as folhas das plantas aquáticas submersas são geralmente muito finas e recortadas características que permitem que as elas suportem turbulências e oscilações da água, evitando a dilaceração. As folhas das plantas aquáticas apresentam também  muitos espaços aeríferos que, além de possuírem superfície permeável ao líquido que circunda a planta, auxiliam na sustentação e circulação interna do ar.



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Referências

NYBAKKEN, J.W. & BERTNESS, M. D. 2005. Marine Biology: an ecological approach (6º ed.)

MIGOTTO, Alvaro E.. Dinoflagelado: fitoplâncton, dic, unicelular, planctônico, cebimar-usp. Cifonauta- Banco de Imagens de Biologia Marinha. Disponível em: <http://cifonauta.cebimar.usp.br/
photo/11554/> Acesso em: 06 dez. 2016.

LAS ALGAS EUCARIOTAS. Disponível em: <http://recursos.cnice.mec.es/biosfera/alumno/1bachillerato/organis/contenidos10.htm> Acesso em: 06 dez. 2016.

PATTERSON, David J.. Algae: Protists with Chloroplasts. Disponível em: <http://tolweb.org/accessory/Algae:_Protists_with_
Chloroplasts?acc_id=52> Acesso em: 06 dez. 2016

AGUIAR, Celio. As Algas marinhas bentônicas. Projeto Ilhas do Rio. Disponível em: <http://maradentro.org.br/ilhasrj/livro/as-algas-marinhas-bentonicas> Acesso em: 06 dez. 2016.

SIENA, Ádamo. Elódea: Alga? Não! Planta aquática. Disponível em: <http://ead.hemocentro.fmrp.usp.br/joomla/index.php/publicacoes/ciencia-em-foco/210-elodea-alga-nao-planta-aquatica>. Acesso em: 06 dez. 2016.

AOYAMA, Elisa Mitsuko; MAZZONI-VIVEIROS, Solange Cristina. ADAPTAÇÕES ESTRUTURAIS DAS PLANTAS AO AMBIENTE. 2006. 17 f. Tese (Doutorado) - Curso de Programa de Pós Graduação em Biodiversidade Vegetal e Meio Ambiente, Instituto de BotÂnica – Ibt, São Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.biodiversidade.pgibt.ibot.sp.gov.br/Web/pdf/Adaptacoes_estruturais_das_Plantas_ao_Ambiente_Elisa_Aoyama.pdf>. Acesso em: 16 dez. 2016.


quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Nem todo coral quer sol e água quente! – Parte II – A Importância dos Corais Frios

Por Beatriz Mattiuzzo, Samara da Cunha Oliveira e Ágata Piffer Braga

Justamente por serem diferentes dos corais tropicais aos quais estamos acostumados, os corais frios executam papéis únicos e de grande importância no oceano!

Em nosso post anterior (disponível em Nem todo coral quer sol e água quente!) tratamos de corais frios, ou corais de águas profundas, organismos que vivem em águas de 4°C a 12°C, entre 50 e 4000 metros de profundidade. Antes de continuar a leitura, dê uma conferida lá! Agora, vejamos um pouco dos papéis que os mesmos desempenham no meio marinho.


Figura 1: Algumas das principais espécies de corais de águas profundas. A) Espécie de coral duro, Paragorgia sp. (bubblegum coral) em Adak Island, Alaska. B) Espécie de coral mole, Callogorgia venticillata no monte submarino de Condor, Azores. C) Destaque aos corais negros, Antipatharia sp., na nova Zelândia. D) Hidrocoral Errinopsis reticulum. Imagens retiradas de Lophelia.org

Importância Biológica e Ecológica

Por hora, ainda há pouco para se afirmar sobre a importância dos ambientes de corais profundos para outras espécies, apesar de esta ser potencialmente enorme, pois estes oferecem condições para a vida de outros organismos que dificilmente se encontra em águas tão profundas e frias. Para isso, é preciso considerar a variação no espaço e no tempo.

A complexa arquitetura tridimensional e a variabilidade espacial dos corais de águas profundas são essenciais para formação de vários nichos ecológicos, isto é, pequenos ambientes ideais para diferentes tipos de organismos se desenvolverem, assim gerando comunidades que tendem a ser muito diversas. Entretanto, a pesquisa nestes habitats não é possível usando as técnicas amostrais mais comuns para mar profundo, como amostradores de sedimento do fundo, pois os corais são duros e difíceis de serem retirados do substrato limitando o entendimento dos padrões de biodiversidade locais. 

O fator temporal também é muito importante nos ambientes profundos. Diferentes espécies de corais frios desenvolvem diferentes tipos de habitats, com tamanhos e longevidade muito diferentes. Por exemplo, os corais duros têm um esqueleto rígido que tende a permanecer após sua morte, sendo um ambiente mais estável temporalmente. Já as gorgônias, corais moles, ao crescerem próximas umas das outras formam ambientes densos e muito diversos, porém esse habitat desaparecerá após a morte destes organismos. 

Apesar da variação no espaço e no tempo, algumas observações muito interessantes já foram feitas em corais frios. Dois cientistas canadenses compilaram uma lista de espécies aparentemente associada a corais de águas profundas. Eles trabalharam com uma base de 980 espécies já registradas associadas à corais frios, e concluíram que 112 espécies estabelecem uma relação mútua de cooperação, enquanto que para outras 30 os corais são essenciais para a vida. No entanto, poucas relações entre corais x organismos já foram descritas a fundo, para se definir o papel exato de cada parte. Como exemplo, pode-se citar a relação entre o coral Scleractinia e Lophelia pertusa e o poliqueta, espécie de anelídeo, Eunice norvegicus, na qual o poliqueta se beneficia da proteção dos tubos de carbonato de cálcio produzido pelo coral, enquanto também protege o mesmo, ao atacar qualquer potencial predador do coral. Corais de águas frias também podem ser hospedeiros de parasitas. O foraminífero Hyrrokkin sarcophagi, por exemplo, faz um buraco no esqueleto e infesta pólipos das espécies coralíneas Lophelia pertusa e Madreporaoculata.

Contudo, os exemplos são poucos. Na maioria dos casos, apesar de saber-se da existência de uma relação entre duas  espécies, não se sabe de fato como essa ocorre. É o caso dos gastrópodes Pedicularia com corais da família Stylasteridae, em que não se sabe se é um caso de predação ou “ajuda”, onde o molusco retiraria somente o muco excessivo do hospedeiro.

É inegável que os habitats coralíneos frios estão associados com muito menos espécies de peixes do que os corais tropicais, e este número tende a diminuir com o aumento da profundidade em que o recife se encontra. Porém, acredita-se que estes ambientes sejam muito importantes para algumas populações de peixes, por fornecerem abrigo e condições para a reprodução, justamente por serem locais únicos. Este campo de pesquisa tem ganhado destaque nos últimos anos, após evidências de que o arrasto de fundo em habitats recifais frios estaria ligado a reduções dramáticas em algumas populações de peixe de alto valor comercial. Ainda assim, é grande a especulação quanto ao tipo e intensidade das possíveis relações, e mais pesquisas neste campo são fundamentais.

Importância Geológica e Paleoceanografia

Apesar de o ciclo de vida de um conjunto de pólipos, organismos formadores de coral, não ser, geralmente, muito longo, nos recifes verdadeiros as estruturas calcárias, “esqueletos” dos pólipos, podem durar por milhares de anos. Além da alta longevidade, a distribuição cosmopolita e a formação de esqueleto bem demarcado durante os ciclos geológicos tornam os corais frios ótimos arquivos paleoceanográficos, isto é, eles refletem condições dos oceanos de milhares a milhões de anos atrás. 

Como os oceanos são um dos controladores do clima do planeta, devido à sua capacidade de reter calor, os principais estudos realizados com corais de águas profundas buscam entender o clima do passado e, assim, constituir bases científicas para previsões futuras. Nesse sentido, um dos principais ramos de estudos paleoceanográficos são estudos e datação de períodos interglaciais. Como os corais Scleractinia e os Lophelia pertusa não conseguem sobreviver em águas mais frias do que 4°C, ao mesmo tempo em que rapidamente colonizam ambientes quando a temperatura se eleva a esse patamar, os recifes destas espécies em altas latitudes têm registros claros de intercalação dos períodos glaciais. Esta relação está ilustrada na figura 2.

Figura 2 - Ciclo Biogênico e Geológico retratando a formação de recifes. Retirado de Reefs of the deep: the biology and geology of cold-water coral ecosystems.

Além disso, ao estudar isótopos estáveis (variações da massa de um mesmo elemento químico) e analisar a química dos esqueletos dos recifes é possível obter estimativas detalhadas de paleo-temperatura da água e análise de massas de água atuantes no passado.

Isótopos estáveis de oxigênio podem ser usados para estimativas de salinidade e temperatura, mas a relação não é direta – os esqueletos de corais não se formam em equilíbrio isotópico com a água, porém estão associados com a taxa de calcificação do coral, provavelmente também ligado a fatores sazonais nas águas profundas. Apesar da complexa relação, alguns estudos já chegaram a resultados promissores neste campo.

A mudança na circulação profunda ao longo do tempo afetou profundamente não só a biologia destes animais, mas também o clima. Correlacionando os dados de temperatura, salinidade e nutrientes dos registros de corais frios é possível definir as massas de água que atuavam em eras passadas, e assim compreender melhor o padrão de circulação do oceano profundo ao longo do tempo, e, por fim, a distribuição de calor e clima. Por exemplo, ao usar a datação de corais por U/Th, somado a datação do carbono inorgânico por 14C, um estudo sugeriu que os corais Desmophyllum cristagalli estavam banhados por uma água pobre em nutrientes do Atlântico Norte no início da sua vida, enquanto tiveram acesso a águas ricas em nutrientes do Sul no final desta. A partir de informações deste tipo, podemos supor o que aconteceria, por exemplo, com o aquecimento do planeta ao mudar o padrão de circulação oceânica.

Assim, conseguimos ver um pouco do papel que os corais frios podem desempenhar na biota e na interpretação do passado, ajudando a determinar o futuro. Estes organismos estão ameaçados pela pesca de arrasto profundo e pela acidificação dos oceanos. Justamente por isso, há necessidade de se aumentar rapidamente as pesquisas em corais frios, especialmente no Hemisfério Sul. Estes estudos são caros e difíceis, mas os corais profundos têm enorme importância e potencial a ser explorado, e com certeza conhecê-los melhor só nos trará benefícios. 

Referências Bibliográficas

Roberts, J.M., Wheeler, A.J. and Freiwald, A., 2006. Reefs of the deep: the biology and geology of cold-water coral ecosystems. Science, 312(5773), pp.543-547.

Roberts, J.M., 2009. Cold-water corals: the biology and geology of deep-sea coral habitats. Cambridge University Press.
Rogers, A.D., 2004. The biology, ecology and vulnerability of deep-water coral reefs. IUCN.

Turley, C.M., Roberts, J.M. and Guinotte, J.M., 2007. Corals in deep-water: will the unseen hand of ocean acidification destroy cold-water ecosystems?.Coral reefs, 26(3), pp.445-448.

Appeltans W, Bouchet P, Boxshall G. A, Fauchald K, Gordon D. P, et al., editors. (2011) World Register of Marine Species. Disponível em: http://www.marinespecies.org. Acesso em 29 de maio de 2016.

Cairns, S.D., 2011. Global diversity of the Stylasteridae (Cnidaria: Hydrozoa: Athecatae). PloS one, 6(7), p.e21670.
NOAA Deep-sea Coral Data – World Map. Disponível em: https:/deepseacoraldata.noaa.gov/ website/AGSViewers/DeepSeaCorals/mapSites.htm. Acesso em: 28 de maio de 2016.

Roberts, J.M., Wicks, L. L. Lophelia.org. Disponível em http://www.lophelia.org/. Acesso em: 29 de maio de 2016.

Mortensen, P. B. and Buhl-Mortensen, L. (2004). Distribution of deep-water gorgonian corals in relation to benthic habitat features in the Northeast Channel (Atlantic Canada). Marine Biology, 144, 1223–1238.

Freiwald, André, and J. Murray Roberts, eds. Cold-water corals and ecosystems. Springer Science & Business Media, 2006.

Freiwald, A.; Fosså, J. H.; Grehan, A.; Koslow, T.; Roberts, M.; Arrecifes de coral de agua fría - Fuera de la vista – pero ya no de la mente. Serie de Biodiversidad del Centro. Centro Mundial de Monitoreo de la Conservación del PNUMA. Reino Unido. 2004
WWF. (2004) Cold Water Corals Fragile havens in the Deep. WWF- World Wide Fund for Nature. pp 1-12.

Sobre as autoras:

Beatriz Mattiuzzo, 22 anos, estudante de oceanografia desde 2013 e apaixonada pelo oceano desde sempre. Sou aventureira, mas com certeza minha maior Aventura começou quando entrei  no Instituto Oceanográfico da USP.  Atualmente, estudo cetáceos marinhos, com enfoque em bioacústica.


Samara da Cunha Oliveira, 22 anos, faço graduação no Instituto Oceanográfico. Minha preocupação com o meio ambiente veio desde que aprendi o ciclo do carbono na escola, assim encontrei o curso de Oceanografia e me encantei. Estou iniciando meus estudos no assunto de percepção ambiental.




Ágata Piffer Braga, 23 anos, estudante de oceanografia desde 2012 no Instituto oceanográfico da USP.  Minha grande paixão é a oceanografia física. Estou desenvolvendo meu trabalho de graduação no Laboratório de Dinâmica Oceânica, onde através de uma nova climatologia  procuro representar a Bifurcação de Santos (Circulação “profunda” da costa sudeste brasileira).

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Desafios enfrentados por Mulheres na Ciência

Por Catarina R. Marcolin

Recentemente assisti a um debate realizado no Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP) chamado “As Mulheres na Universidade e na Ciência: Desafios e Oportunidades” que me chamou muita atenção. Vale a pena assistir na íntegra o vídeo de mais de uma hora em que três mulheres cientistas nos inundam com estatísticas e fatos surpreendentes, alguns até difíceis de acreditar, sobre a participação das mulheres no meio acadêmico. O vídeo foi recomendado por uma professora do IO-USP, a Mary Gasalla, mais uma mulher cientista que nos serve de inspiração.


Ilustração Caia Colla.

No Bate-papo dessa semana, vamos discutir alguns assuntos abordados neste debate, assim, fui em busca de mais alguns dados para seguirmos na reflexão sobre o assunto. Primeiramente, fiquei feliz em saber que nós mulheres representamos cerca de 50% dos estudantes na grande parte dos cursos de graduação do país, em alguns cursos somos até maioria. Entretanto, quando olhamos para as ciências exatas e as engenharias, somos menos de 40% do total. Além disso, é impossível não se impressionar com o fato de que nós mulheres somos apenas 15% dos estudantes nas engenharias da USP. 

Se olharmos para a quantidade de bolsas de iniciação científica e de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) veremos que também temos ganhado tantas bolsas quanto os homens. Inclusive, em 2010 tivemos mais mulheres do que homens com título de mestrado e doutorado. Mas novamente, isso não é a realidade nas engenharias e nas ciências exatas. Parece que algo tem nos afastados dessa área, que inclui a oceanografia. 


Número de bolsas por ano por grande área em 2014. Fonte CNPq. 

Mas os números mais chocantes são relacionados à distribuição das bolsas de produtividade em pesquisa, ou bolsas PQ, que são bolsas que premiam pesquisadores por sua excelência em pesquisa. Essas bolsas determinam a distribuição dos recursos financeiros para projetos de pesquisa no país e, portanto, afetam diretamente nosso desempenho enquanto pesquisadores. As bolsas PQ tem vários níveis e a participação das mulheres fica cada vez menor à medida que subimos nesses níveis. Note que sempre temos menos de 39% de participação nessas bolsas. 



Bolsas de Produtividade em Pesquisa por categoria/nível em 2014. A categoria 2 representa a menor categoria a que se pode concorrer a uma bolsa PQ. Para concorrer à categoria 1, sempre se começa solicitando entrada pelo nível D, até chegar ao nível A e, só então, ao nível Sênior (SR). Fonte: CNPq.

Notem que, olhando apenas para estes dois gráficos, percebemos uma segregação horizontal (entre áreas, mulheres estão concentradas em certas carreiras) e uma segregação vertical, pois temos uma baixa representação feminina nas posições de poder.

Podemos encontrar ainda mais exemplos se buscarmos por posições de liderança em grandes grupos de pesquisa. Você já ouviu falar dos INCTs? Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia são responsáveis pela articulação em rede dos principais projetos de pesquisas em áreas de fronteira da ciência. Bem, do total de 126 institutos existentes, 109 são coordenados por homens e apenas 17 por mulheres. Temos atualmente seis INCTs na área de oceanografia/ciências do mar, dos quais cinco são coordenados por homens. Encontrei apenas um INCT com coordenação feminina e maioria de Pesquisadoras (INCT Antártico de Pesquisas Ambientais - INCT-APA). 

O pior cenário me parece o da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Os próximos dados apresentados foram citados pela física Carolina Brito (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) no debate que mencionei no início deste post. Bem, para se filiar na ABC, o(a) pesquisador(a) é indicado por algum membro da ABC e um comitê decide pela entrada ou não. Este comitê é formado massivamente por homens. O resultado não é nada animador. No próprio site da ABC é possível obter uma lista de quem são seus membros. Olhando pra essa lista, constatei que temos 795 homens para 122 mulheres na ABC. Destes, 15% dos homens não tem bolsa 1A, e  apenas 1% das mulheres não tem bolsa 1A. A interpretação mais rápida, talvez mais rasa também, que podemos fazer desses dados, é que para ser membro da ABC, se você é mulher, é praticamente obrigatório ser pesquisadora nível 1A. Para homens, isso não tem a mesma importância. 

E infelizmente, essa realidade não tem melhorado nos últimos anos. Afinal de contas em 2008, 20% das universidades tinham mulheres como reitoras, enquanto em 2016, apenas 10% das universidades têm mulheres neste cargo. Como explicar que, apesar de termos 48% de doutoras, temos apenas 23% de mulheres em cargos de professoras em nossas universidades públicas? Em alguns posts do BPCN, você já deve ter lido sobre alguns motivos pelos quais mulheres abandonam a carreira acadêmica mais do que homens (O 'sexo' realmente importa; Quando colocar filhos no cronograma; Após a maternidade, de acadêmica a empresária).

E agora mulheres, o que podemos fazer para mudar esse quadro? 

1 - Os dados apresentados aqui são muito escassos, precisamos de números, precisamos de mais indicadores! 

2 - Precisamos de formação sobre questões de gênero. Na França, recentemente foram criadas disciplinas/cursos para discutir gênero em todos os cursos de graduação.

3 - Precisamos financiar projetos de mulheres, fornecer bolsas, premiá-las. Temos pouquíssimas iniciativas, mas estas surtem efeitos incríveis. Veja o post Encontrando autoconfiança como mulher na ciência para ler o depoimento da Deborah sobre a importância de ser reconhecida em sua área. O que nos leva ao próximo ponto:

4 - Precisamos de modelos: a mulher não se enxerga em posições de poder. Socialmente, somos desestimuladas a seguir carreiras científicas consideradas “difíceis”. Desde muito pequenas somos bombardeadas com clichês da idade da pedra de que temos que cuidar da casa, temos que ser boas esposas, mães, verdadeiras senhoras de nossos lares (leia mais sobre isso aqui). Temos que dar oportunidades para que nós mulheres possamos nos sentir capazes de nos apaixonar pela ciência. A Fundação L’Oreal realizou recentemente uma pesquisa de opinião que demonstrou a visão dos europeus em relação à atuação da mulher nas ciências. Cinco mil pessoas foram ouvidas (entre homens e mulheres) e o resultado é:


  • 67% disse que a mulher não está qualificada para ocupar postos de alta responsabilidade; 
    • O principal motivo: porque “as mulheres sofreriam de falta de perseverança, falta de espírito prático, rigor científico, espírito racional e analítico”.


Depois de tudo isso, só tenho a dizer: Mãos à obra! No VII Congresso Brasileiro de Oceanografia tivemos uma mesa redonda sobre o assunto, com sala lotada e com muita participação e engajamento da plateia. Apesar de ter sido uma excelente experiência, não chegamos perto de esgotar o assunto. Então quero convidá-los para continuar a discussão. Vamos discutir gênero nos espaços que ocupamos, semeiem essa ideia! Organizem uma roda de conversa no seu ambiente de estudo ou trabalho e compartilhem com a gente essa experiência.




Sites consultados:

http://cnpq.br/estatisticas1
http://memoria.cnpq.br/estatisticas/bolsas/sexo.ht
http://inct.cnpq.br/institutos/