quinta-feira, 6 de outubro de 2016

"A divulgação científica tem o papel fundamental de explicitar o que está acontecendo no nosso mundo"

Entrevista com Mariluce Moura por Raquel Saraiva

Ilustração de Caia Colla
Resultados de pesquisas científicas de grande interesse do público eventualmente transbordam dos veículos especializados e alcançam veículos de grande circulação. Com a epidemia do zika,  a demanda por dados que explicassem os efeitos do vírus eram urgentes. Nesse contexto, um estudo desenvolvido por pesquisadores da UFRJ e do Instituto D’Or demonstrou os efeitos devastadores do vírus sobre células neurais.  Os resultados do trabalho seguiram o caminho contrário da conduta científica usual e foram divulgados na Folha de SP no artigo “Em testes, vírus da zika ataca neurônios humanos antes da publicação em uma revista científica. Embora a OMS recomende em casos de emergência a divulgação dos dados mesmo antes da publicação da pesquisa em periódico especializado, a “novidade” gerou estranheza e críticas na comunidade científica.
Esse e outros temas tem trazido a ciência brasileira para os holofotes da imprensa. Não só pelos resultados, avanços e inovações, mas por polêmicas que envolvem o próprio fazer científico. Recentemente, após declaração nefasta do governador Geraldo Alckmin, discutimos aqui no blog a importância da ciência básica, e a destruição do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no post “Ciência nada básica”. Além destas discussões vigentes, outras questões nunca saem da pauta; elas requerem - e tem tido - nossa atenção. Por exemplo, a atuação das mulheres na ciência! Na seção Mulheres na Ciência sempre discutimos questões que estão envolvidas no plano pessoal e profissional da atuação das mulheres no meio acadêmico, desde maternidade (leia O filho que concorreu com a ciência e empatou), a influência do gênero na carreira (O sexo realmente importa?), até estupro (Tragédias também ocorrem no paraíso).
Biólogos e oceanógrafos sempre discutem estes e outros temas aqui no blog. Desta vez, convidamos uma jornalista científica para uma entrevista. Profunda conhecedora (de prática e de teoria) da divulgação científica, a profa. Dra. Mariluce Moura, cuja trajetória no ramo se confunde com a própria história da divulgação científica no Brasil nas últimas décadas. Mariluce foi presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, é pesquisadora colaboradora do LabJor (Unicamp), centro de referência da América Latina para estudos e formação de profissionais em divulgação científica, trabalhou como assessora de imprensa e coordenadora de comunicação do CNPq e foi assessora e diretora científica da Fapesp. A jornalista, graduada pela UFBA, também foi a mentora e dirigiu, no período de 1995 a 2014, a mais prestigiada revista científica brasileira, a Pesquisa Fapesp. Atualmente Mariluce é professora da Faculdade de Comunicação da UFBA e coordenadora do projeto Ciência na Rua (ciencianarua.net), blog voltado para a divulgação científica para jovens de 14 a 25 anos.

Com a Palavra, Mariluce!

Bate-papo com Netuno: Qual a importância da divulgação científica para a sociedade brasileira?

Mariluce Moura: É vital! A ciência e a tecnologia são dois dos pilares da estruturação econômica da sociedade. Aliás, não só econômica. A sociedade contemporânea é estruturada sobre o conhecimento científico. Algumas reflexões filosóficas dizem que hoje, se a gente pensar por exemplo no Ciclo Mutações que vai acontecer na UFBA de 03/10 a 25/11, o mundo hoje é um mundo em mutação. O rumo das coisas tem sido muito mais determinado, para bem e para o mal, pelos fatos científicos do que pelas reflexões, pela atividade do pensamento, pelo refletir profundamente sobre para onde vamos e como caminhamos. Assim como os fatos científicos, as descobertas científicas e as tecnologias, as inovações constituem de modo tão entranhado o nosso cotidiano. É fundamental que a sociedade tenha percepção sobre esse fenômeno, e que se dê conta disso, que perceba aquilo que altera o seu próprio cotidiano, sua própria vida. Pense em todas as mudanças das duas últimas décadas: no âmbito digital, da biotecnologia, das novas tecnologias de saúde. A própria troca social entre as pessoas se dá de maneira muito mais diversa que há duas décadas: hoje nós nos falamos menos por voz e muito mais pelo Whatsapp e pelas redes sociais. A divulgação científica tem o papel fundamental de explicitar o que está acontecendo no nosso mundo hoje, aqui e agora.

BPCN: Como a senhora vê o jornalismo científico hoje em dia no Brasil?

MM: Existem poucos jornalistas de ciência, mas grandes profissionais, como a Sabine Righetti, o Reinaldo José Lopes, o Salvador Nogueira, o Marcelo Leite e o Ricardo Zorzetto.  Há pouco espaço na mídia tradicional para a ciência. Falta espaço em muitos veículos, mas há belas frentes se abrindo, inclusive se alimentada por profissionais de outros campos, como a biologia. Acho que o espaço da internet tende a apresentar um panorama. Infelizmente, ainda não é um campo com o peso que deveria ter na sociedade contemporânea.

BPCN: Qual a importância dos blogs para a popularização da ciência?

MM: É um veículo muito interessante, para ampliar a divulgação e a popularização da ciência. Penso que os blogs escritos pelos próprios cientistas nem sempre estão muito antenados com o interesse geral da população, mas eu acho que eles trazem uma grande contribuição à disseminação de informação. Acho muito positivo o surgimento dos blogs de ciência.

BPCN: A senhora acha que as mulheres fazem diferença na divulgação científica?

MM: Sempre faz bem às diversas atividades culturais e científicas que a sociedade esteja bem expressada naquele campo. Se uma determinada área tem muito mais homens brancos, por exemplo, a sociedade como um todo está mal expressada. A esse propósito, não só da divulgação científica mas da própria ciência, nesta semana saiu uma matéria na Nature falando que, em síntese, teríamos melhor ciência se os países pobres também produzissem ciência. É um artigo na mais badalada revista de ciência do mundo! É uma consciência que tem aumentado, sobre a necessidade de se ter nas atividades fundamentais de ampliação do conhecimento, por exemplo, representantes dos muitos segmentos de gênero, étnicos, dentre outros. É preciso  que as mulheres estejam muito mais presentes não só nesta, mas em todas as atividades como as de produção cultural, de arte e de conhecimento.

BPCN: Recentemente, a divulgação de resultados de pesquisas na imprensa antes da publicação do trabalho em uma revista científica criou uma polêmica e gerou debates na comunidade científica. O que a senhora pensa sobre a divulgação de resultados antes da publicação em revistas científicas?

MM: Em linhas gerais, para o divulgador de ciência, sobretudo para o jornalista de ciência, é bastante interessante que o artigo tenha saído em uma revista científica. Porque sair na revista significa que houve validação pelos pares. Isso dá uma garantia, que não é absoluta porque sabemos da ocorrência de fraudes mesmo em artigos publicados por revistas altamente respeitadas, mas é uma garantia adicional para o jornalista. Mas existem situações de emergência, que é o caso do zika vírus, por exemplo. Havia todo um esforço pelo isolamento do vírus, para entender o que estava causando aquele problema aqui no Brasil, então existem alguns momentos nos quais há uma certa emergência no âmbito da produção científica e no âmbito da divulgação para a sociedade. Com os cuidados naturais de checagem com outras fontes e com outros cientistas que a gente respeite, que são da mesma área e que inclusive possam levantar contraditórios sobre aquilo que está sendo divulgado, eu acho que é o caso de se utilizar sim na divulgação científica. Uma matéria, uma reportagem ou uma notícia deve ter uma informação. E se existe um contraditório possível dessa informação, é bom que o jornalista mostre também esse outro lado. Em ciência isso nem sempre se dá assim. Mas é bom que se respeite esse princípio geral do jornalismo. Então, tomados os cuidados necessários, é possível às vezes sair da regra de ouro de esperar a revista científica publicar sem que se faça uma coisa leviana.



Sugestões de leitura:

Desafios antigos para mulheres atuais - Jana del Favero (Bate-papo com Netuno)



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