quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Querida, estou grávido!


Imagem (à direita): Flickr

Em homenagem ao dia dos pais, que tal falarmos de um super pai do reino animal, o cavalo-marinho?! Este peculiar organismo é considerado um super pai devido a uma ótima razão: os machos ficam grávidos! Isso mesmo! Os cavalos-marinhos se destacam no reino animal porque são os machos os  responsáveis por todo cuidado parental após a fecundação: eles  carregam os filhotes durante a gestação, sentem as “dores do parto” e por fim  dão à luz! Pesquisas recentes mostram também que os cavalos-marinhos papais têm ainda mais semelhanças com as mamães humanas do que nós pensávamos! Mas antes de contarmos estas peculiaridades, vamos conhecer um pouquinho sobre eles.

Dois cavalos-marinhos “grávidos”.
Imagem: Flickr



Os cavalos-marinhos são peixes-ósseos (teleósteos) que pertencem ao gênero Hippocampus e à família dos singnatídeos (Syngnathidae). Esta família tem como característica o desenvolvimento por viviparidade, ou seja, o desenvolvimento embrionário ocorre no interior do corpo, que neste caso é o corpo paterno. Existem mais de 50 espécies de cavalos-marinhos distribuídas pelo mundo, em regiões tropicais e temperadas. Destas, três espécies ocorrem na costa brasileira: Hippocampus reidi, Hippocampus erectus e Hippocampus patagonicus, presentes no ambiente marinho e estuarino.

Representantes das três espécies de cavalos-marinhos que ocorrem no Brasil: Hippocampus reidi, Hippocampus erectus e Hippocampus patagonicus, respectivamente.
Imagens: Projeto Hippocampus


Estes peixes locomovem-se na vertical por meio de movimentos ondulatórios de suas nadadeiras dorsais, que vibram rapidamente, porém este tipo de locomoção vertical os torne mais lentos, a ponto de serem considerados um dos peixes mais lentos dos oceanos. Os cavalos-marinhos são predadores, com uma alimentação à base de plâncton, crustáceos e pequenos animais que são sugados por meio de seu focinho tubular. Eles também são camufladores hábeis: se sentindo ameaçados, podem mudar de cor, desenvolver projeções cutâneas que mimetizam algas e até pólipos de corais, além de conseguir permanecer imóveis, fixando-se em algas e corais por meio de sua cauda preênsil. Mas estes disfarces não são infalíveis: caranguejos, alguns peixes carnívoros (por exemplo, o atum), pinguins, aves marinhas e até mesmo os humanos “predam” os cavalos-marinhos adultos (para saber mais sobre o plâncton, leia nosso post O que você sabe sobre o plâncton?).

Os cavalos-marinhos mimetizam com o ambiente quando se sentem ameaçados.
Imagens: Flickr


A maioria dos cavalos-marinhos é monogâmica, de forma que tanto o macho quanto a fêmea de um par formado repelem outros parceiros que tentem interferir na relação. Para o acasalamento, eles realizam um tipo de dança, na qual sincronizam seus movimentos, girando um em torno do outro com as caldas entrelaçadas. A gravidez masculina tem implicações interessantes para os papéis sexuais clássicos no acasalamento. Na maioria das espécies os machos competem pelo acesso às fêmeas, de modo que é comum ver a evolução de características sexuais secundárias* em machos . De acordo com o pesquisador Adam Jones, da Universidade do Texas, no caso dos cavalos marinhos, as fêmeas apresentam um comportamento competitivo, que em geral é apresentado pelos machos. Além disso,  os machos parecem “exigentes” em relação à escolha de suas parceiras, atributo comumente observado em fêmeas.

Ilustração: Joana Ho
Bem, mas vamos ao que interessa: como os machos deste grupo são capazes de ficar grávidos? O cavalo-marinho macho possui uma bolsa incubadora especializada onde a fêmea coloca seus ovócitos (células reprodutivas). Quando ele está pronto para acasalar, o macho sinaliza a fêmea enchendo a bolsa com água. A fêmea, por sua vez, nada e se pressiona contra ele, colocando seu tubo de postura, chamado ovipositor, em um orifício dilatado, presente na bolsa do macho. Após a transferência dos ovócitos, o orifício se fecha, e então o macho os fecunda. Assim inicia-se o desenvolvimento dos filhotes no interior do corpo do macho.

O período de gestação desse grupo varia bastante, de acordo com a espécie e a temperatura da água, podendo ocorrer entre dez dias e seis semanas. Em regiões tropicais, os cavalos-marinhos apresentam um período de gestação em torno de 12 dias, podendo parir mais de 1500 minúsculos bebês totalmente formados. Eles se reproduzem durante todo o ano e a partir do primeiro ano de vida os casais formados são capazes de produzir mais de 1000 larvas por gestação.


Cavalo-marinho dando à luz. 

Os desafios da gravidez são os mesmos para todos os animais, como assegurar o fornecimento adequado de oxigênio e nutrientes para os embriões. Estudos recentes têm demonstrado que diversas linhagens de animais superaram estes desafios de maneira semelhante. Os cavalos-marinhos, como tantos outros embriões de outros vivíparos, adquirem muitos nutrientes a partir do vitelo dos ovos advindos das suas mães, que é equivalente à gema do ovo das galinhas. A pesquisadora Dra. Camilla Whittington e colaboradores da Escola de Ciências Biológicas da Universidade de Sydney (Austrália) demonstraram em estudos publicados na Molecular Biology and Evolution que nutrientes adicionais, como cálcio e alguns lipídios, são secretados pelos papais na bolsa incubadora e então absorvidos pelos embriões. Além disso, a bolsa dos pais também atende aos desafios complexos de fornecer proteção imunológica aos filhotes, além de assegurar a troca gasosa e a remoção das excretas!

A gravidez é acompanhada de muitas adaptações morfofisiológicas, como a remodelação da bolsa incubadora o transporte de nutrientes e de resíduos, a troca gasosa, a osmorregulação e a proteção imunológica dos embriões. Outra curiosidade descoberta pelos pesquisadores é que a genética  relacionada a essas adaptações é muito semelhante à expressão genética da reprodução interna de mamíferos, répteis e outros peixes. É surpreendente que, mesmo em animais com “idades evolutivas” tão distantes, as ferramentas genéticas que foram desenvolvidas com função reprodutiva sejam tão semelhantes entre si, mesmo entre vivíparos aplacentários (cavalos-marinhos) e placentários (mamíferos) (Caspermeyer, 2015; Whittington et al., 2015).

As populações de cavalos-marinhos estão em declínio no mundo inteiro. Além de sua capacidade limitada de locomoção, a destruição do seu habitat e as pescas incidental e direcionada têm ameaçado a vida destes peixes. A procura por espécimes vivos como peixes ornamentais na aquariofilia é grande. Desidratados, são usados como ingrediente de drogas caseiras e industrializadas e até como peça de decoração, o que os deixa ainda mais vulneráveis. A compra destes peixes, mesmo vivos, incentiva sua captura e comércio, além de contribuir com o desequilíbrio ecológico.  Estudos genéticos, fisiológicos e ecológicos destes animais ajudam não só a compreender sua biologia e os passos evolutivos que levaram à inversão  no comportamento sexual, mas também contribuem para o manejo correto dessas espécies. O melhor a fazer é deixar os cavalos-marinhos no seu hábitat natural, reduzindo a exploração e cuidando dos ambientes em que eles vivem, como recifes de coral e manguezais. Assim pode-se conhecer melhor estes peixes e ajudar na sua preservação.

Cavalos-marinhos desidratados sendo vendidos em um mercado em Hong Kong. Na Ásia eles são muito apreciados na culinária e como matéria-prima para a fabricação de medicamentos.
Imagem: Britt-Arnhild’s House in the Woods



*caracteres secundários: características que se desenvolvem durante a maturidade sexual dos animais, mas que, ao contrário dos órgãos sexuais, não são parte do sistema reprodutor

Para saber mais sobre o assunto:

Projeto Hippocampus - Iniciativa do Laboratório de Aquicultura Marinha - LABAQUAC para educação ambiental e estudos de conservação de cavalos-marinhos. www.projetohippocampus.org

Caspermeyer, J. Unraveling the Genetic Basis of Seahorse Male Pregnancy Mol Biol Evol (2015) 32 (12): 3278 first published online November 17, 2015 doi:10.1093/molbev/msv238

Jones, AG & Avise, JC. Mating Systems and Sexual Selection in Male-Pregnant Pipefishes and Seahorses: Insights from Microsatellite-Based Studies of Maternity J Hered, 2001.

Rosa IL, Oliveira TPR, Osório FM, Moraes LE, Castro ALC, Barros GML & Alves RRN. Fisheries and trade of seahorses in Brazil: historical perspective, current trends, and future directions. Biodivers Conserv, 2011.

Silveira, R. B. Dinâmica populacional do cavalo-marinho hippocampus reidi no manguezal de Maracaípe, Ipojuca, Pernambuco, Brasil. (2005).

Whittington CM, Griffith OW, Qi W, Thompson MB & Wilson AB. Seahorse brood pouch transcriptome reveals common genes associated with vertebrate pregnancy.Molecular Biology and Evolution, 2015.

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